o insolitário

“ Quando estiver quase a adormecer passem-lhe o sono pela torneira da água fria. Desatem o nó aos soluços que atravessa a garganta. Façam-no sentar à esquerda dos versos que mais não são que duetos com outras solidões.



Risquem a pele os nervos a voz os pulsos com lâminas de encurtar distância. Quando estiver quase a amar. Não lhe ensinem amor como fazer de conta que se desfaz em contos de fadas.


Atirem-lhe contra a cara um balde cheio de poemas e mostrem-lhe com quantos beijos se faz uma despedida. Tentem bebedeiras de palavras à toa e mostrem-lhe com quantos copos se enche uma noite vazia. Quando estiver quase a escrever. Interrompam-lhe as mãos várias vezes para que não remende as varizes do tempo. Não o deixem cozinhar o amor. Há de comer assim mesmo. Palavra a palavra. Até ficar cru.


Quando estiver quase a chegar. Destrancem fios de água doce em aquários de outros pássaros. Anastesiem-no com beijos que sobejam dos próprios lábios. Tirem a mania de reduzir nuvens a cinzas e esbofetear borboletas com candura suave de rapina. Atirem-no ao acaso com a força dócil das ondas e mergulhem este sonho feliz que se senta no colo dos versos como se um minuto fosse um instante lento que se senta segundos antes do despertar de quem não tem ainda o que sentir.


Oxalá a lua não o ponha a dormir até perder o sono das vistas. Oxalá o coração aguente mais um solavanco e espere tranquieto antes de mandar lixar os vários destinos que o destino é. Quando a voz lhe envelhecer nas palavras. Puxem-lhe os passos na direcção contrária do olhar. Lancem-no sozinho contra a cama e retirem as portas do casulo para quando entrar bater com o nariz no perfume das flores que não plantou. Quando estiver quase a descobrir. Destapem-lhe o futuro da frente e coloquem lá outra coisa que não seja passado. Leiam os gestos os dedos as mãos os braços a carne e gastem-lhe os caminhos de tanto andar a pé.


Quando cair num sono feliz. Respirem-lhe os versos devagarinho para não doer. Deixem-no escapar tranquilo e quieto nem que seja por um triz ou por um triste corpo devoluto.


Lembrem-lhe que com as palavras não se brinca. Ao menos que seja para dizer coisas sérias. “