'There is nothing to writing. All you do is sit down at a typewriter and bleed'

Ernest Hemingway

Butterflies and Hurricanes

Change everything you are
And everything you were
Your number has been called
Fights and battles have begun
Revenge will surely come
Your hard times are ahead

Best,
You've got to be the best
You've got to change the world
And use this chance to be heard
Your time is now

Change everything you are
And everything you were
Your number has been called
Fights and battles have begun
Revenge will surely come
Your hard times are ahead

Best,
You've got to be the best
You've got to change the world
And use this chance to be heard
Your time is now

Don't let yourself down
Don't let yourself go
Your last chance has arrived

Best,
You've got to be the best
You've got to change the world
And use this chance to be heard
Your time is now

completely out of order
untill soul-searching is completed.

You know,
there’s only one 
problem with you 
- you’re perfect.


I had always heard your entire life flashes in front of your eyes the second before you die. First of all, that one second isn't a second at all, it stretches on forever, like an ocean of time... For me, it was lying on my back at Boy Scout camp, watching falling stars... And yellow leaves, from the maple trees, that lined our street... Or my grandmother's hands, and the way her skin seemed like paper... And the first time I saw my cousin Tony's brand new Firebird... And Janie... And Janie... And... Carolyn. I guess I could be pretty pissed off about what happened to me... but it's hard to stay mad, when there's so much beauty in the world. Sometimes I feel like I'm seeing it all at once, and it's too much, my heart fills up like a balloon that's about to burst... And then I remember to relax, and stop trying to hold on to it, and then it flows through me like rain and I can't feel anything but gratitude for every single moment of my stupid little life... You have no idea what I'm talking about, I'm sure. But don't worry... you will someday.

'American Beauty' last lines









Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.




Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.




Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.




Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.




Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?




Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.




(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)




Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.




(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)




Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente




Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.




Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.




Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,




Sempre uma coisa diferente da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.




Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.




Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.




Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.




(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.




Álvaro de Campos

<a href="http://feedbacklooplabel.bandcamp.com/album/dissociative-fugue">Absence by FeedbackLoop Label</a>


Ideais Insanos


Um homem louco é aquele cuja maneira de pensar e agir não se coaduna com a maioria dos seus contemporâneos. A sanidade mental é uma questão de estatística. Aquilo que a maioria dos Homens faz em qualquer dado lugar e período é a coisa ajuizada e normal a fazer. Esta é a definição de sanidade mental na qual baseamos a nossa prática social. Para nós, aqui e agora, são muitos os de mentalidade sã e poucos os loucos. Mas os julgamentos, aqui e agora, são por sua natureza provisórios e relativos. O que nos parece sanidade mental, a nós, porque é o comportamento de muitos, pode parecer, sub specie oeternitalis, uma loucura. Nem é preciso invocar a eternidade como testemunho. A História é suficiente. A maioria auto-intitulada de mentalmente sã, em qualquer dado momento, pode parecer ao historiador, que estudou os pensamentos e acções de inumeráveis mortos, uma escassa mão-cheia de lunáticos. Considerando o assunto de outro ponto de vista, o psicólogo pode chegar à mesma conclusão. Ele sabe que a mente consiste de tais e tais elementos, que existem e devem ser tidos em conta. Se um homem tenta viver como se certos destes elementos constituintes do seu ser não existissem, está a tentar viver, num sentido psicológico absoluto, anormalmente. Está a tentar ser louco; e tentar ser louco é insânia.



Aplicando estes dois testes, o do historiador e o do psicólogo, à maioria mentalmente sã do Ocidente contemporâneo, que verificamos? Verificamos que os ideais e a filosofia da vida agora geralmente aceites são totalmente diferentes dos ideais e da filosofia aceite em quase todas as outras épocas. O Sr. Buck e os milhões por quem ele fala estão, esmagadoramente, em minoria. Os incontáveis mortos preferem a sentença a seu respeito: estão loucos. Os psicólogos confirmam o seu veredicto. O êxito – «a deusa-cadela, Êxito» na frase de William James – exige estranhos sacrifícios daqueles que a adoram. Nada menos do que automutilação espiritual pode obter os seus favores. O homem coordenado para o êxito é um homem que foi forçado a deixar metade do seu espírito fora da sua personalidade. E se ele aceitar os ideais e a filosofia da vida que a deusa-cadela tem para oferecer, achar-se-á condenado, ou a uma estrénua irreflexão ou a um cinismo poeirento e descolorido. Nascido potencialmente são, ele aprende a sua loucura. “Porque todo o Homem”, como Sancho Pança observou, “é como o céu o fez, e algumas vezes muito pior do que isso” – algumas vezes, também, muito melhor; depende, em parte, dos seus próprios esforços, em parte das tradições, das crenças, dos códigos, da filosofia da vida que acontece ser corrente na sociedade em que ele nasceu. Onde esta herança social é uma loucura, o indivíduo naturalmente mais normal está moldado à semelhança de um louco. Em relação à sociedade em que vive, ele é, sem dúvida, normal, porque se parece com a maioria dos seus pares. Mas eles são todos, falando em absoluto, conjuntamente loucos.


A Natureza permanece inalterável, quaisquer que sejam os esforços conscientes feitos para a deformar. Os Homens podem negar a existência de uma parte do seu próprio espírito; mas o que é negado não é por isso destruído. Os elementos banidos vingam-se nos indivíduos, nas sociedades inteiras. Uma coisa apenas é absolutamente certa quanto ao futuro: que as nossas sociedades ocidentais não se manterão por muito tempo no seu presente estado. Ideais loucos e uma filosofia lunática da vida não são as melhores garantias de sobrevivência.










Mente Estável e Mente Instável


O homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma excepção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. Trotter, no seu admirável Instincts of the Herd in Peace and War, chamou-lhes de «mente estável» e colocou em oposição a eles uma minoria de «pessoas de mente instável», apaixonados pela inovação em si própria.



A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que «aquilo que está, está certo». Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos num caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.


Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet, é aquele que «emite uma opinião singular» - quer dizer, uma opinião sua, em oposição a uma que já foi consagrada pela aceitação geral. Que se trata de um patife, não é preciso dizer. É também um imbecil - um «cão» e um «demónio», no dizer de São paulo, que profere «baboseiras vãs e profanas». Nenhum herético ( e a ortodoxia de que ele se afasta não tem necessariamente de ser uma ortodoxia religiosa; pode ser filosófica, ética, artística, económica); nenhum autor de opiniões singulares é alguma vez razoável aos olhos da maioria dos de mente estabilizada. Porque o razoável é o familiar, é aquilo que os de mente estável estão no hábito de pensar no momento em que o herege profere a sua opinião singular. Usar a inteligência de qualquer outro modo que não seja o habitual não é usar a inteligência; é ser irracional, delirar como um louco.






Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"

o insolitário

“ Quando estiver quase a adormecer passem-lhe o sono pela torneira da água fria. Desatem o nó aos soluços que atravessa a garganta. Façam-no sentar à esquerda dos versos que mais não são que duetos com outras solidões.



Risquem a pele os nervos a voz os pulsos com lâminas de encurtar distância. Quando estiver quase a amar. Não lhe ensinem amor como fazer de conta que se desfaz em contos de fadas.


Atirem-lhe contra a cara um balde cheio de poemas e mostrem-lhe com quantos beijos se faz uma despedida. Tentem bebedeiras de palavras à toa e mostrem-lhe com quantos copos se enche uma noite vazia. Quando estiver quase a escrever. Interrompam-lhe as mãos várias vezes para que não remende as varizes do tempo. Não o deixem cozinhar o amor. Há de comer assim mesmo. Palavra a palavra. Até ficar cru.


Quando estiver quase a chegar. Destrancem fios de água doce em aquários de outros pássaros. Anastesiem-no com beijos que sobejam dos próprios lábios. Tirem a mania de reduzir nuvens a cinzas e esbofetear borboletas com candura suave de rapina. Atirem-no ao acaso com a força dócil das ondas e mergulhem este sonho feliz que se senta no colo dos versos como se um minuto fosse um instante lento que se senta segundos antes do despertar de quem não tem ainda o que sentir.


Oxalá a lua não o ponha a dormir até perder o sono das vistas. Oxalá o coração aguente mais um solavanco e espere tranquieto antes de mandar lixar os vários destinos que o destino é. Quando a voz lhe envelhecer nas palavras. Puxem-lhe os passos na direcção contrária do olhar. Lancem-no sozinho contra a cama e retirem as portas do casulo para quando entrar bater com o nariz no perfume das flores que não plantou. Quando estiver quase a descobrir. Destapem-lhe o futuro da frente e coloquem lá outra coisa que não seja passado. Leiam os gestos os dedos as mãos os braços a carne e gastem-lhe os caminhos de tanto andar a pé.


Quando cair num sono feliz. Respirem-lhe os versos devagarinho para não doer. Deixem-no escapar tranquilo e quieto nem que seja por um triz ou por um triste corpo devoluto.


Lembrem-lhe que com as palavras não se brinca. Ao menos que seja para dizer coisas sérias. “

raízes suplantadas


II




Subverto a minha vontade numa escrita irreflectida. Tanto mudou.
Tanto esperei que mudasse. Tanto mudei.
Malparo numa composição impulsiva mas não prorrompida por emoções e sentimentos genuínos. Não. Cresci. Perdi.
Agora prefiro ocupar exíguos minutos numa premissa diferente, disfarçada, para disfarçar.
Uma percepção instintiva em que vão surgindo imagens que interpreto de forma irracional e assertiva.
Desfaço-me das antíteses. Mentira! Elas subsistem...
Fazem parte de mim, do meu pedaço de papel, que escrevo aqui e ali para eximir-me do que sinto. O que sinto?
Não interessa. Não é sobre isso que escrevo. Cansei-me de sentir.
Agora escrevo o que penso. Escrevo por mero sensualismo, por sentir saudade de me elevar e perder naquilo que nunca encontrei.
Escrevo.
Escrevo pela saudade de sentir a alma a ferver-me na pele.








I


Quantos olhos tens? O que tentas ver?
Nas tuas mãos sobrevoou um caracol. Foi espontaneo.
Consegues ver?
E agora disseste tudo, falaste com os olhos da tua morte. Mentiste, sabes que mentiste, porque és eterna como parece ser o brilho dos teus olhos que realça o teu ritmo, o teu toque... vidente, experiente sem o saberes.
Sabes o que tocas? Consegues tocar ou possuir?
Não, observas e captas momentos, pensamentos e fragmentos do que não sabes se existe. Mas tu o sentes. Sente-lo por fora. Sente-lo por dentro. E sentes no tempo que não existe para ti.
Revelo. Revelo o incógnito, manifesto o que desconheço, declaro porque procuro saber se o que se capta é meu.
E tu que me conheces tentas presenciar o melhor de mim... naquilo que não sei ser, sou eu sem me ver num reflexo sem fim.

Vivemos como pequenas ondas num vasto oceano de energia.
Quando nos libertamos do ego, temos acesso à totalidade da memória.








'Certa manhã, Artur acordou muito cedo, a tremer na sua esteira, quando deparou com Merlim, que o olhava desde o outro lado da gruta.


-- Estava a ter um pesadelo - gemeu Artur - Eu era a última pessoa à face da Terra, e vagueava por florestas e por caminhos onde não havia mais ninguém.
-- A sonhar? -- retorquiu Merlim -- Isso não era um sonho. Tu és a última pessoa à face da Terra.
-- Como pode ser isso? -- perguntou Artur.
-- Não concordas que a única pessoa à face da Terra também teria de ser a última pessoa?
-- Sim.
-- Muito bem; então do ponto de vista da tua auto-imagem, à qual as pessoas do futuro chamarão ego, tu és a única pessoa.
-- Como podes dizer isso? Tu e eu estamos aqui juntos, não estamos? E visitámos aldeias e cidades habitadas por milhares de pessoas.
   Merlim maneou a cabeça.
-- Se olhares verdadeiramente para ti, que vais encontrar? Quem és tu afinal? Uma criatura de experiências que está constantemente a transformar-se em memórias. Quando dizes «eu», estás a referir-te a esse conjunto único de experiências, com toda a sua história privada que não pode ser partilhada por outros seres.
   Nada parece mais pessoal que a memória. Tu e eu percorremos caminhos distintos apesar de caminharmos juntos. Eu não posso olhar para uma flor sem que isso implique ter uma experiência que não posso partilhar. Nem sequer uma simples gargalhada ou uma lágrima podem ser verdadeiramente oferecidas a outro alguém.
   Quando Merlim acabou de falar, Artur estava perturbado.
-- Pelo que dizes, até parece que toda a gente está irremidiavelmente só -- observou o rapaz.
-- Eu não -- respondeu Merlim. -- É o ego que nos faz sentir sós, que nos encerra num mundo onde ninguém mais pode entrar.
   Vendo que o seu discípulo ficara muito perturbado, Merlim, suavizou o tom de voz.
-- Vem comigo.
   Levantou-se e conduziu Artur para fora da gruta para a escuridão que antecede a aurora. O céu estava repleto de estrelas.
-- A que distância imaginas que se encontra aquela estrela? -- perguntou Merlim, apontando para a estrela da manhã. Como era Verão, Sirius estava muito brilhante, e num ponto baixo do horizonte.
-- Não sei. Suponho que a distância a que está não seja mensurável, nem tão pouco imaginável -- respondeu Artur.
   Merlim abanou a cabeça:
-- Não existe qualquer distância. Pensa nisto: para que possas ver a luz daquela estrela, essa luz tem de penetrar o teu olho, certo? Feixes de luz fluem continuamente de um lugar para o outro, como pontes invisíveis. O que é uma estrela senão luz? Por isso, se o que está aqui e o que está lá é luz, e se a ponte que une os dois lugares também é luz, podemos afirmar que não existe separação entre ti e a estrela. Ambos fazem parte do mesmo campo de luz.
-- Mas parece ser muito longe, e a verdade é que não posso tocar essa estrela e tirá-la do céu -- contestou artur.
   Merlim encolheu os ombros.
-- A separação é apenas uma ilusão. Tu pareces separado de mim  e das outras pessoas porque o teu ego entende que todos estamos isolados e sós, mas eu asseguro-te de que se pusesses de lado o teu ego, verias que cada um de nós está imerso num campo de luz infinito, que é a consciência. Todos os teus pensamentos nascem num vasto oceano de luz, para o qual retornam, juntamente com cada célula do teu corpo. Esse campo de consciência está em toda a parte, e é a ponte invisível para tudo o que existe.
   Não há nada em ti que não seja parte de todos os outros seres, excepto aquilo que o ego vê. O teu trabalho é ir para além do ego e mergulhar no oceano universal da consciência.
   Artur ficou pensativo.
-- Tenho de pensar no que acabas de dizer.
-- Sim, faz isso -- encorajou Merlim, bocejando. -- Ainda tenho sono.
   O mago virou-se para regressar à caverna quente e acolhedora.
-- Ah, a propósito, antes de voltares para a cama, não te importas de pendurar aquela coisa novamente?
-- Coisa? -- Artur olhou para baixo, perplexo e viu que a estrela da manhã tinha sido retirada do céu e posta aos seus pés. '








Deepak Chopra

it's history. it's poetry.


'Among other things, you’ll find that you’re not the first person who was ever confused and frightened and even sickened by human behavior. You’re by no means alone on that score, you’ll be excited and stimulated to know. Many, many men have been just as troubled morally and spiritually as you are right now. Happily, some of them kept record of their troubles. You’ll learn from them – if you want to. Just as someday, if you have something to offer, someone will learn something from you. It’s a beautiful reciprocal arrangement. And it isn’t education. It’s history. It’s poetry.'

petit gateau, leite condensado, gelado de morango.
e longe

No seguimento deste


Desafio

1.~ Adoro comer latas de feijão mungo, chego a comer um pack de 3 de seguida.

2.~ Quando vejo filmes de suspense com a minha colega de casa estou constantemente a perguntar-lhe "E agora, ele morre?"; " Vai conseguir chegar?"; "Porque é que ela não fugiu?"
... ignorando por completo o facto de ela ainda não ter visto o filme.

3.~ Tomo banho com a água a escaldar. Nenhum mortal aguenta.

4.~ Se começarem a falar comigo a meio da noite enquanto estou a dormir é como se tivesse tomado o elixir da verdade... chibo-me toda e depois não me lembro de nada.

5.~ Existem sempre 3 indicadores de que cheguei alcoolizada a casa: roupa espalhada pelo chão, janela escancarada e porta do quarto aberta. Não falha.

You can't control how you feel.
Only what you do about it.

Hoje ofereceram-me bombons

As pantufas assassinas


Escrevo-vos à beira da morte, apesar de ainda há dias ter estado ainda mais perto dela. Dela, minha morte e dela minha mãe, já que só assim pude saber que eram sinónimos.
   As mães dão-nos vida; são a vida. Eu já deveria ter desconfiado que também traziam a Morte. Andam ligadas e bem podem tentar extricar- se que não conseguem.
   Freud apenas viu parte da coisa. É verdade que queremos secretamente matar os nossos pais. Mas dar demasiada atenção a esse impulso é fazer esquecer que também as nossas mães nos querem matar, por querermos matar os maridos delas. Aliás, todos nos querem matar - essa é que é essa. É tão certinho como querermos matar toda a gente.
   As mães são do sexo feminino e logo têm uma maneira subtil de matar os filhos, que só compreenderá quem pensar muito no assunto ou, como eu, seja surpreendido por uma tentativa desesperada de assassinato.
   A minha mãe tentou matar-me através de umas pantufas assassinas.
   Conheço bem o meu Sherlock Holmes (A Study in Scarlet); o meu Poirot; a minha Highsmith; a minha Rendell; os meus C.S.I nas várias versões Miami; Las Vegas e Nova Iorque. Mas jamais tinha confrontado forma tão maléfica.
   As mães querem matar-nos para nos poderem salvar de morte certa à última hora. Foi o que me aconteceu. Ia morrendo mas, no último segundo, fui salvo pela minha assassina. Ficou-me a lição: « Dei - te vida; posso matar-te e, se estiver bem disposta, salvar-te.» Acreditem. Elas podem. É melhor não nos armarmos em bons e aceitarmos já.
   Sempre fui um selvagem; um Robinson Crusoé. No fundo, um pé – descalço.
   Odeio meias. Nunca usei chinelos na minha vida. Tenho sempre calor.
   Mas a minha mãe, como assassina paciente, tem esperado pela minha meia-idade. A recente onda de frio ofereceu-lhe a oportunidade porque tanto esperou para me matar.
   Apareceu um dia lá em casa com cinco pares de pantufas com muito bom aspecto. Umas eram de tartans multisseculares, fiéis aos clãs das Terras Altas da Escócia. Mas havia um par muito giro que era camel hair, impecavelmente castanhos-claros, no estilo beduíno de Oscar Wilde e Noel Coward. Vesti-as logo. Eram as primeiras pantufas que calçava e souberam-me bem. Eram fofas e quentinhas. Escusado será dizer que eram as assassinas
   Mandei os outros quatro pares para trás, apesar dos protestos da minha mãe. Se ia deixar de ser pé-descalço, seria, ao menos, um pantufeiro exigente, do Magrebe. Os padrões dos MacDougals e dos MacRamsays nada me dizem – imaginava-me a ter também de usar tinta azul na cara, como no absurdo filme Braveheart em que pontificava Mel Gibson.
   Várias vezes por dia, a minha assassina Mãe telefonava a perguntar se eu tinha as pantufas calçadas. E eu tinha. Habituei- me àquele quentinho.
   Não dava um passo sem elas. Mal sabia eu que estava a expor os meus delicados pés a um dos mais atrozes envenenamentos de que foi capaz o ardil humano…
   Após uma única semana, fui abatido. Os meus pés- conhecidos por serem classicamente gregos - incharam como se tivessem sido insuflados na praia para servirem de bóia promocional. A cor marmórea, de Carrara, que sempre caracterizara os meus pedúnculos, transformou-se num escarlate brilhante que teria servido para assinalar, no mais denso nevoeiro, uma casa de putas de Amsterdão.
   Essas alterações estéticas teriam sido bem aceites - só para poder responder que sim quando a minha Mãe telefonava a saber se tinha os chinelos calçados - não fosse a intensa agonia de que se fizeram acompanhar.
   Tinha ganho uma linha directa aos «autos – da - fé» do Santo Ofício; uma experiência em primeira mão podiatra do que sofreu Joana d’Arc. Os meus pés ardiam como se sofressem um ataque intervalado de pedras de gelo e lança- chamas. Ao consultar os livros médicos, a origem da palavra «inflamação» surgiu diante de mim em toda a sua crueza.
   Deixei, escusado será dizer, de poder andar. Toda a dor de que era capaz o meu cérebro sobre- exercitado estava concentrada nos pés: nos dedos; nas plantas; nas «barrigas»; nos calcanhares; nos tornozelos.
   Estava a morrer queimado.
   Tirei as pantufas assassinas? Nunca! As pantufas que a minha mãe me tinha trazido? Vocês são doidos ou quê? Para mim, se não fossem elas, já eu estaria inteiramente consumido pelas chamas. Suspeitei insuficiências cardíacas; neuropatias complexas; gangrenas diabéticas; excessos de álcool e de mariscos; uma gota apocalíptica que vinha saldar a factura de tanto foie gras
   Contei tudo à mãe assassina que disse, tipicamente, que o mal era frio e que as pantufas não eram suficientemente quentinhas. Por serem abertas atrás, tipo chinelo, deixavam entrar a invernia. «Eu sabia que devia ter comprado pantufas fechadas!», disse ela, culpando-se por ter sido tão pouco séria. «Deixa lá Mãe», disse o prestes- a - ser - assassinado, «ao menos protegem os dedos dos pés e a parte da frente…»
   Quando a agonia atingiu paroxismos de febre e de loucura, senti que faltava pouco. O auto-de-fé já tinha chegado à massa cinzenta e era uma questão de tempo antes de me poder despedir deste mundo e desta vida de que tanto gosto.
   Nesse momento, valeu-me que a minha assassina também era minha Mãe.
   Deve ter tido pena. Era uma morte lenta e dolorosa demais. Afinal, eu também tinha (tido, uma vez) uma qualidade ou outra. E, assim como já uma vez me tinha dado vida e mostrado poder tirar-ma quando quisesse, também poderia devolver-ma, já que eu estava a fazer tanta fita.
   Em meia hora telefonou para dois grandes especialistas – médicos exímios que, apesar de não serem filhos dela, sentem o terror – e deu-me a receita para a salvação. A voz dela não era alegre nem bem-disposta, antes resignada. Tratava-se de uma assassina a quem faltava a qualidade do arrependimento.
   «Apenas transmito o que ambos me disseram, depois de ouvirem os sintomas:», disse a mãe assassina, «isso deve ser uma alergia qualquer». Disse a palavra «alergia» com o devido desprezo, com aquela entoação bem portuguesa de «mas ca ganda mariconço que me saíste…!»
   Ora, as alergias matam e as assassinas sabem disso. Já não chegam ambas as mãos para contar os episódios C.S.I em que as matanças se devem a um único amendoim misturado num caril ou num chop suey.
   A Mãe assassina desligou, insatisfeita com a prestação dos médicos. Mas eu, estando à beira da morte, agarrei-me áquela palavra «alergia». Mas alergia a quê? Que coisa tinha eu começado a comer ou tomar que não tomasse antes? Fiz uma lista. Qual «uma lista»! Várias listas. Todas juntas constituíam a minha vida inteira.
   Fui ler os cartapácios. Num deles, num sidebar, li que era boa ideia tomar nota das mudanças recentes. Mas que mudanças recentes tinha eu feito? Nenhuma. Desiludido, estiquei os pés a ver se doíam um bocadinho menos por mudarem de posição.
   Eu via-as. Vi as putas. Vi, Numa salvífica revelação, as pantufas assassinas. Deixei de ver Oscar Wilde, Noel Coward e Rex harrison. Vi só a Morte. Varreram-se-me as snobices beduínas do camel hair. Vi a cor lívida dos cadáveres quando são autopsiados. Identifiquei finalmente as assassinas.
   Duas escassas horas depois de ter descalçado as pantufas assassinas, os meus pezinhos voltaram a ser atribuíveis a Adónis: que lindos! E a cor? Que olímpica! Que branquinha! Que impoluta! E a dor? Tinha completamente desaparecido.
   Examinei as pantufas assassinas. Descobri, por exemplo, que talvez não tivessem vindo da augusta e caríssima Scotch House de Knightsbridge – que vende belos chinelos de camel hair e de verdadeira caxemira. Até porque tinham escrito, num picotado quase invisível, a palavra «TEXIS» na barriga. E os erros de ortografia são sempre de suspeitar…
   Passei o tecido pela parte mais tenrinha dos meus braços. Ardeu e riscou. Dez segundos depois, estavam inflamados. Tratava-se, sem sombra para dúvidas, de um material assassino. «Sintético» é adjectivo honroso demais para descrever a composição daquele veneno…
   Enquanto ouvia o tom mavioso da voz da minha mãe a impingir-me as pantufas (o que os ingleses chamam dulcet tones), decidi que teria de interrogar a minha amada assassina que à última da hora me tinha salvo.
   Soube durante essa interrogação que a minha mãe, pouco depois da II Guerra, tinha trabalhado numa sapataria e conquistado todas as promoções e todos os prémios que se dão aos melhores vendedores.
   Havia em mim um instinto Tom Sawyer, Huck Finn, pé-descalço, puto da Ribeira ou de Alfama, que rejeitava as pantufas. Mas diante mim erigia-se a torre da civilização inglesa: «Já viste, Miguelito? Este par de chinelos são de puro pêlo de camelo e afeiçoam-se aos pés. São chinelos de chambre, de salão até iguais aos que usavam Saint-Simon, o Marquês de Sade, Oscar Wilde, Noel Coward…»
   Deveria ter sido alertado pela referência sádica mas, snob que sou, deixei-me levar. «Não viste o My Fair Lady?» Eu aí ainda disse que Rex Harrison jamais usaria umas pantufas daquelas. Mas a minha mãe fez um ar beatífico e disse logo: «Tu és meio- português e é natural que confundas as coisas. Não é Rex Harrrison que importa. É o amigo Wilfred Hyde-White . Esse, sim, tem gosto. E ele tinha um slippers idênticos para a hora dos coquetéis, evidentemente.»
   Se calhar, fui induzido a colaborar no meu assassinato por causa dessa menção dos coquetéis. Depois, na descrição do pêlo, a minha Mãe fez questão de mencionar que era cruel como escolhiam os camelos ainda bebés para fabricar as pantufas – mas que era um «fait accompli» como tantos outros. «Sabe-se lá quantos camelos foram mortos para o teu pai ter aquele sobretudo de que tanto gostava…tu, ao usares estes chinelos, tens a consolação que não foi um sequer…»
   Palavra, só faltou dizer «Não faças com que aquele camelo bebezinho, que tanta falta teria feito a um nobre guerreiro beduíno, tenha morrido em vão…» Calcei logo as pantufas assassinas, condenando os meus pés não só à morte como à iniciativa de matar lentamente o resto da minha pessoa.
   Daí que o «ditado» pela boca morre o peixe» seja tão pouco convincente.
   Geralmente é pelos ouvidos – e pelos pés – que morremos.
   Sabendo-me vítima de assassinato, fui impiedoso com a assassina e ela lá confessou: aquelas pantufas tinham tanto de camelo como eu (quer dizer…). Na verdade, os cinco pares com que apareceu cá em casa, tinham sido comprados não tanto no bairro mais chique de Londres como, mais concretamente, no Carrefour de Telheiras. Durante os saldos.
   A despesa total, que eu tinha orçado conservadoramente num milhar de libras esterlinas (por desconhecer a quanto está o camelo por estes dias), não tinha chegado – confessou a assassina minha Mãe – aos dez euros. Pelos cinco pares. Sim, porque três deles foram um euro e picos.
   Os de «camelo», é que tinham chegado perigosamente perto do Everest dos dois euros, dada a qualidade.
   De uma nota de dez euros, ainda deu para fazer umas comprinhas de lacticínios e trazer uma baguette. Assim agem os assassinos contemporâneos. Não precisam de venenos rebuscados e caros: basta-lhes o veneno do que se vende aos pobres. Para quê investir em arsénico se os próprios chinelos são feitos de sobras de asbestos?
   Foi uma segunda morte, admito. Que a minha mãe queria matar-me por já não ter quatro anos, já eu desconfiava. Mas nunca imaginei que o fizesse com uma moeda de dois euros e trocos para um iogurte.
   As pantufas assassinas foram para o caixote do lixo. «Cuidado», disse a minha Mãe assassina, não fosse abençoada pelo famoso sentido de humor inglês, «porque amanhã, quando acordares, poderás encontrá-los alinhadinhos e à espera de serem calçados, mesmo à beira da tua cama…»
   Juro que acreditei e tremi. Tentei cortá-los aos bocadinhos. São invulneráveis. Deitei-lhes gasolina Zippo e tentei ateá-los. Não arderam. São de um plástico tão plástico que o nosso mundo não os atinge. São pantufas assassinas, Terminators 381, ainda à espera de um filme; quanto menos de um antídoto.
   Mas seria estupidez, sermos distraídos pelos instrumentos do assassinato. O que importa reter é a identidade – eterna, imutável – da assassina.
   É aquela que «quer o nosso bem» acima de tudo. Nós é que precisamos começar a compreender, de uma vez por todas, que o nosso bem não passa obrigatoriamente por estarmos vivos…
   Já era a mesma coisa com Deus. Quem dispõe da vida, dispõe também da morte. Mas como – e quando – é que as mães aprenderam tal truque? Bem vistas as coisas, é bem possível que o velho Freud tenha sido o primeiro a saber esta desconfortante verdade. Ao relê-lo à luz das pantufas assassinas, tenho de dizer que passei a notar um tom extremamente aflito de que nunca antes me tinha dado conta…


in: "A Minha Andorinha", Miguel Esteves Cardoso



you are a splendid butterfly
it is your wings that make you beautiful
and i could make you fly away
but i could never make you stay
you said you were in love with me
both of us know that's impossible
and i could make you rue the day
but i could never make you stay

not for all the tea in China
not if i could sing like a bird
not for all North Carolina
not for all my little words
Not if i could write for you
the sweetest song you ever heard
it doesn't matter what I'll do
not for all my little words

now that you've made me want to die
you tell me that you're unboyfriendable
and i could make you pay and pay
But I Could Never Make You Stay





.~
How many days have I lost ?
How can I get back to the place where I started?

I'm outside the house, trying to find my way in.
But It's locked
and the blinds are down                               
and I lost the keys.
And I can't remember what the rooms look like                                          
or where I put anything.
And if I dare to go inside...
I wonder...
Will I ever be able to find my way out?
 .~

you have been the only thing that's right, and now
i can barely look at you
still,
i do...


"Sans toi, les émotions d'aujourd'hui ne seraient que la peau morte des émotions d'autrefois."